A CIÊNCIA MODERNA E A METAFÍSICA: A FILOSOFIA NO DIVÃ
A visão de ciência na antiguidade até a idade média era pautada
nos escritos de Aristóteles, em sua física, que fazia uso da observação da
natureza para tentar deduzir algumas regras gerais, diante desse caráter
contemplativo os físicos daquela época observavam a realidade. Aristóteles,
como resultado de sua contemplação da natureza, desenvolveu a visão de que o
mundo e o universo eram divididos em duas esferas, uma que era abaixo da lua e
outra que era acima da lua, onde tudo que se encontrasse abaixo da lua seria
mutável e irregular, enquanto tudo que se encontrasse acima da lua seria
imutável, constante e eterno. Essa visão perdurou por muito tempo, porque
realmente dava conta de explicar o mundo, e era uma explicação que parecia
fazer mais sentido e principalmente diante da idade média, essa visão era
favorável quanto à realidade da época. Porém, com as mudanças ocorridas na
sociedade com o advento da ascensão da burguesia e da relação de comércio, essa
visão já não mais cabia como explicação da realidade, a necessidade passou de
uma física que somente observava o mundo a uma física que além da observação
também pudesse mudar a realidade para dar conta das relações de comércio e de
uma sociedade em transformação. Assim, nesse novo momento, agora chamado de
renascimento, inicia-se o rompimento da ciência com a metafísica de
Aristóteles, pois a necessidade passa a ser por uma ciência mais experimental,
mais operativa e não mais contemplativa como a aristotélica. A nova concepção acerca do ser da
natureza e do universo, foi estabelecida no movimento que vai de Galileu a
Newton, com a contribuição de Kleper, Tycho Brahe, Descartes e outros. Porém, é com Galileu que a nova visão de
ciência começa a tomar forma, ele entende que as explicações científicas são
objetivas, porque o que é certo para a ciência é certo para todo mundo, pois o
conhecimento científico não é subjetivo, ele é objetivo, a verdade da ciência
não vai mais estar no sujeito, a verdade da ciência vai estar no mundo. Esse
novo ideal científico, atribuído a Galileu Galilei e aos teóricos da Revolução
Científica Moderna, pretendia centralizar toda a atividade científica a um
nível de objetividade nunca visto antes, o que acabou por desdobrar-se no auge
das teorias de Isaac Newton. Newton, não só aceita a visão de Galileu como
ainda a fortalece, pois para ele as verdades do universo não são mais sagradas,
as verdades do universo e as leis da natureza não são mais descobertas por uma
revelação divina, já que entende que toda verdade sobre o mundo físico pode ser
conhecida racionalmente, ou melhor, matematicamente, sendo ele porta voz de uma
física objetiva, matemática e que vê o mundo como uma forma mecânica, ou seja,
o todo é a soma das partes. É comum a visão de que a ciência surgiu para
exterminar a metafísica, não somente a aristotélica, mas também qualquer tipo
de conhecimento metafísico, seja religioso, filosófico ou outro. O filósofo
Augusto Comte, previa uma substituição do pensamento metafísico em prol do
pensamento científico, pois considerava que o conhecimento científico era
superior ao pensamento mitológico (religioso) e metafísico (filosófico). Essa
visão, mesmo não sendo a única na filosofia que promove o caráter objetivo da
ciência contra o caráter subjetivo da metafísica, muito influenciou para o
imaginário popular, além de bastante discutida e criticada no século XX, pela
historiografia científica e pela filosofia das ciências. E é essa forma de
visão que muitos ainda hoje entendem a ciência, afastando-se do discurso
filosófico e sobretudo o metafísico, por entenderem que o mundo funciona como
uma máquina. Ao contrário do imaginário comum, a ciência moderna só surgiu
quando as bases metafísicas do conhecimento foram reconstruídas. É essencial
uma reflexão de ordem ontológica, metafísica ou filosófica que fundamente os
alicerces do conhecimento científico para dar prosseguimento às experiências. Muitas
pessoas tendem a querer resolver as coisas com uma visão meramente científica,
mas esquecem que essas visões científicas, muitas vezes têm fundamentos
filosóficos que podem ser questionados, por exemplo, a física de Newton possui
uma ontologia, possui um discurso filosófico em sua base, pois não há como
comprovar que o mundo funcione como uma máquina, é uma suposição metafísica
achar que o mundo funcione como uma máquina e assim como a física de Newton, a
história nos mostra que a ciência possui sempre filosofia em seu fundamento.
Portanto, a ciência possui bases metafísicas indispensáveis para sua atividade,
mas que podem ser alteradas consideravelmente de acordo com o período em que
está situada. Ocorreu que após as descobertas científicas, muitos acreditavam
que o discurso metafísico e filosófico seria extinto da ciência. Mas seria
errôneo imaginar que o pensamento científico acontece sem pressupostos
ontológicos ou filosóficos em sua base. A ciência moderna não rejeitou as teses
metafísicas, mas sim, uma visão metafísica específica oriunda dos escritos de Aristóteles,
que fundamentou a ciência existente no período anterior a concepção moderna.
Assim sendo, a modernidade então promoveu uma substituição da ciência fundada
na metafísica aristotélica por um conhecimento baseado em uma ontologia
mecanicista, determinista e matemática.
Referência
MURTA, Claudia; MULINARI, Filicio. A ciência moderna e a metafísica: a
filosofia no divã. – Evolução do Pensamento Filosófico e Científico. SEAD -
UFES: Vitória, 2017.
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