LICENCIATURA EM FILOSOFIA – UFES - EAD POLO
ITAPEMIRIM
EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO CIENTÍFICO
ALUNOS: Jefferson Diório do Rozário.
Manoel Carlos Bernardo
Módulo6. Ciência e Psicanálise ou sobre o
Sujeito da Ciência
A Psicanálise e o exercício de escuta do
sujeito da ciência
Jacques Lacan, estudioso da
Psicanálise, procedente de Freud, criou, em um dos seus seminários, o conceito
de “Sujeito da Ciência”, no texto intitulado de “A ciência e a Verdade”. O
psicanalista francês estabeleceu seus estudos por meio de Seminários, os quais
foram, posteriormente, reunidos e publicados. Os estudos de Lacan redimensionam
a psicanálise, principalmente por relacioná-la aos estudos da linguagem, sobretudo
ao estruturalismo, escola à qual Lacan se vinculava. Entretanto, essa
delimitação na certa é tacanha para definir os trabalhos e estudos lacanianos,
pois o psicanalista francês discutiu a psicanálise em correlação com diversos
discursos outros, incluindo a filosofia e a ciência; além de que suas
proposições por vezes extrapolam uma visão puramente estruturalista do sujeito.
Voltando ao conceito de “Sujeito da
Ciência”, Lacan o determina como consequência
da propagação do imperativo científico sobre os diversos saberes,
considerando-o como um sujeito esvaziado dos saberes anteriores à ciência em
sua figuração moderna; sujeito esvaziado inclusive de tradição e de imperativos
morais. É a partir do estabelecimento dessa subjetividade que Lacan compreende
a ação da psicanálise, por isso, para ele, a psicanálise é possível apenas a
partir da ciência – ou, do início de seu estabelecimento, pelo cogito cartesiano.
A partir dessa concepção, Lacan
estabelece a ação da psicanálise, a qual, segundo o pensador, é compreendida a
partir de alguns categóricos: “a) A psicanálise opera sobre um sujeito que não
é o eu, b) Há um sujeito da ciência. C) Esses dois
sujeitos são o
mesmo” (MURTA, FILICIO, 2017, p.
2). Daí Lacan opera uma diferença entre o eu
e o sujeito, sendo aquele
impossível inclusive para a psicanálise, pois o eu se encontra diluído no sujeito,
sendo este, por sua vez, o que permite se mostrar no processo analítico.
A determinação do “Sujeito da
Ciência” ocorre a partir de Galileu, quando se opera um corte no saber, ou
seja, o estabelecimento da ciência moderna impõe uma ruptura com os saberes
anteriores. Nesse processo, identifica-se um corte entre os mundos antigo e
moderno, este delimitado pela ciência moderna, a qual é definida pela física
matematizada – proposição de Galileu (MURTA E FILICIO, 2017, p. 2). A
operação da ciência, a partir dessa nova
perspectiva, delimita-se à matematização do objeto, processo pelo qual ela lhe
retirará as qualidades sensíveis que possua (MURTA, FILICIO, 2017, p. 2).
O que se pode observar afinal é que
a ciência moderna substitui a realidade empiricamente conhecida por modelos
ideomatemáticos, dessa forma, há um desvio do real mesmo. Daí que ela não parte
da observação, mas, ao contrário, opera o predomínio da razão sobre a
experiência em si. Nesse caso se poderia falar inclusive num distanciamento do
real do objeto, pois o que a ciência almeja é o enquadramento do objeto num sistema
matemático já previamente estabelecido.
Essa determinação perpassa ainda
pelo cogito cartesiano, na medida em que o sujeito é visto por Lacan não mais
como o determinante da história, mas como resposta a um discurso posto - o do
cogito. Para Lacan, O sujeito da ciência é uma necessidade de resposta à dúvida
cartesiana, sendo esse novo sujeito que aparece “(...) o resto ineliminável da
prova da dúvida radical, da qual Descartes faz a experiência em sua meditação”
(MURTA, FILICIO, 2017, p3). Descartes duvida exatamente para chegar à certeza
da ciência, em contrapartida, o sujeito da ciência é a certeza objetivada pela
dúvida exacerbada de Descartes. Desse modo, Lacan identifica como que antes de
Descartes, o sujeito é definido por uma relação com o saber, a partir,
entretanto, do cogito cartesiano, introduz-se um saber certo ao qual o sujeito
precisa responder. Consequentemente, “Essa operação do cogito comporta uma
separação radical do sujeito com o saber” (MURTA, FILICIOS, 2017-10-16, p. 4).
O sujeito da ciência lacaniano
corresponde ao esvaziamento da subjetividade, em que o cientista se esvazia
para preencher-se do significante matemático, sob o qual seu trabalho será
estabelecido. A ciência é a foraclusão do sujeito na medida em que ela o
rejeita. Tanto que um dos princípios básicos da ciência é a objetividade,
pensada em negação da subjetividade, pela qual o sujeito se autodistancia e se
torna um cientista, uma autonegação pela qual se capacita ao exercício da
ciência, ou seja, um indivíduo que na verdade nega o sujeito.
Freud diferencia indivíduo e
sujeito, identificando este fora da forma organizada, lançando-o alhures. O
sujeito nega o indivíduo, impedindo que este diga aquele. A psicanálise nasce
do cogito cartesiano exatamente porque a ciência passa à construção do
indivíduo, deixando o sujeito à sua própria sorte, uma vez que o sujeito acaba
escapando dessa determinação cartesiana, colocando-se fora desse saber. A
proposição científica, portanto, esvazia o sujeito na medida em que o propõe
por um estabelecimento pleno pela razão. Ao determinar o sujeito pela razão, a
ciência, na verdade, distancia-se do sujeito, ao dizê-lo e determiná-lo ela se
distancia dele e o perde. O sujeito, de fato, não pode ser o que a razão diz e
determina, não está na organização científico-matemática, mas está, de fato, na
libido, naquilo que a ciência negou.
Assim, Lacan complementa o sujeito
pela falta de significante, na medida em que não pode ser apreendido por este,
escapando-lhe continuamente, porque sua posição é secundária à do significante.
A tese lacaniana, partindo de Freud, é a de reconhecimento do sujeito como o
que falta de identidade (MURTA, FILICIO, 2017, p. 5). Nesse contexto, o
discurso analítico surge como proposta de interlocução com o sujeito que foi
esvaziado pelo discurso científico. A psicanálise é possível a partir do
esvaziamento do sujeito, de certa forma impensável antes da ciência. E se a
ciência é o esvaziamento do sujeito, a psicanálise opera exatamente sobre esse
sujeito vazio, pois o sujeito pleno não se permite à análise. A diferenciação
da psicanálise frente à ciência, entretanto, reside no fato de que a ciência
cala esse sujeito esvaziado, enquanto a psicanálise dá-lhe voz. A psicanálise
experiencia esse sujeito criado pela ciência e abandonado à própria sorte. Ao
esvaziar o sujeito, a ciência busca romper com as amarras da tradição e da
cultura - todas próprias do exercício da linguagem - preenchendo-o, calando-o
pelo significante matemático. Esse sujeito
esvaziado, portanto, o do inconsciente e da psicanálise será ouvido na prática psicanalítica. A psicanálise,
na verdade, ouve o sujeito que a ciência criou.
REFERÊNCIAS:
MURTA, Claudia. FILICIO, Mulinari. Ciência
e Psicanálise ou o Sujeito da Ciência. Vitória:
SEAD - UFES, 20167