A hospitalidade de Kant
em debate com Derrida e Levinas
A hospitalidade
pode ser compreendida como o direito de ir e vir de alguém, ou seja, uma
experiência pautada pelo encontro com o outro (estranho). Ser hospitaleiro
significa hospedar; acolher àquele que não é de nosso círculo familiar íntimo. A
acolhida do outro, seria a hospitalidade de modo a conduzir cada um a refletir
e a realizar determinadas condutas.
Segundo Kant, a experiência da hospitalidade deve ser
fundada na razão pura como dever moral e não como um cálculo de universalização
nem de risco. Seria o dever do imperativo categórico enquanto modo de vida
ético.
O imperativo
categórico de Kant, como princípio ético universal encaminha a humanidade ao progresso.
Para o filósofo, o comum é a lei racional, ou seja a lei que nós fazemos do
exercício da nossa autonomia. Nas regras do agir considerados deveres éticos,
deve-se tratar bem os hóspedes no sentido de alcançar uma vida virtuosa. O agir implica no
significado de hospitalidade, um agir motivado racionalmente.
“Age
sempre de tal modo que o teu comportamento possa vir a ser princípio de uma lei
universal.” Kant
O estrangeiro de Kant não é absolutamente outro, mas um cidadão do mundo
independentemente qual seja sua origem territorial, que deverá ser tratado como
pessoa como fim em si mesmo e não apenas como meio. A língua da hospitalidade é
a língua da razão prática.
Segundo Derrida, o hospedeiro de Kant
instala uma relação com aquele que está na sua casa segundo o direito. A
relação entre hóspede e hospedeiro é segundo a lei moral. A proposta de Derrida para o conceito de
hospitalidade sob o prisma da desconstrução, se traduz na abertura política e
jurídica, para que se avance numa nova responsabilidade quanto ao tema.
Derrida pensa na ética como uma forma de hospitalidade
pura, no acolher as diferenças do outro
e este respeito pela diferença do outro ele define como a condição
última da hospitalidade. Para o filósofo a hospitalidade é um dever
ético, uma obrigação única sem atenuantes nem condicionantes. Dessa forma, a hospitalidade
pura não obriga o hóspede a adaptar-se plenamente a cultura, sendo aberta ao
acolhimento do estranho.
Há
um confronto entre as ideias de Derrida e
os argumentos de Kant que permite
medir a dimensão do alcance de ambos no tocante da compreensão das condições de
possibilidade de uma experiência de hospitalidade. Utilizando os termos de
Derrida podemos dizer que kant pede documentação, a hospitalidade kantiniana
tem limites, mas está inserida dentro de uma reflexão mais ampla: por um lado
no âmbito da legislação da liberdade interna
e do respeito ao imperativo categórico; por outro lado, no âmbito da
legislação da liberdade externa e do respeito a lei jurídica. No que diz
respeito a hospitalidade, o ético e o jurídico podem se articular de modo consistente, o que
sustentaria a exequibilidade e a efetividade do dever de hospitalidade numa
experiência prática.
Levinas
propôs correr o risco, afirmando que o outro é meu semelhante, propondo uma
relação assimétrica e não recíproca. Segundo Levinas, não seria uma culpa moral,
mas uma responsabilidade ética. A hospitalidade é antes de tudo um problema
ético-teológico e não jurídico, é um dever ético e não normativo. Para ele a hospitalidade nos constitui no
nosso ser e não podemos ser senão hospitaleiros.
Segundo
Levinas, na antiguidade o cerne de todas
as atenções estava no ser, mas na idade média substitui-se a questão do ser
pelo eu, e esse termo prevalece até os
dias atuais, numa ótica da valorização da diversidade entendida como abertura
para o outro. O filósofo adverte da
importância de se pensar o trajeto da filosofia em direção ao outro. Levinas
entende que o outro (estrangeiro) constituí-me enquanto ser, assim há uma
responsabilidade minha com o estrangeiro. E a ética está centrada no desapego
do eu dirigindo o olhar para o outro, pois se outro existe ele me constitui
como ser existente.
Levinas
pensou ir além com uma hospitalidade radical, falando não apenas de direito e
sim de ética. Diante do outro como radicalmente outro, então recuou em seu
mandado ético e propôs noções de achegado.
A ética da hospitalidade é um
tema que foi examinado por alguns filósofos e ainda hoje incita debates quanto
à prática efetiva do mesmo, por ser um tema desafiador quanto ao posicionamento
ético do indivíduo e das nações e, provocar tensão quanto à postura perante o
outro, aquele que apesar de semelhante causa estranhamento.
Por definição, “o termo Hospitalidade refere
ao ato de acolher, de receber um hóspede em casa. Ser hospitaleiro significa
hospedar bem àquele que não é da nossa família, do nosso círculo familiar mais
íntimo, mais próximo. [...] Na atualidade, um sentido múltiplo, ou melhor
ainda, um leque de sentidos do termo hospitalidade considera aquilo que diz
respeito à ação gratuita de acolher indivíduos vindos do estrangeiro ou grupos
migratórios e também àquilo que refere ao turismo e à hotelaria. Hospitalidade
então pode sugerir dádiva e também gestão em relação com aquele que não é da
casa”. Portanto, “é habitual se deparar com a figura do homem gentil e
hospitaleiro que prepara a chegada do outro e o recebe. Cortesia, respeito e
boas maneiras são palavras que costumam estar associadas à hospitalidade. Nessa
experiência de hospitalidade o respeito à diferença, o reconhecimento do outro
como diferente, o respeito à diversidade, à alteridade parecem estar na base do
sentido do termo em questão”. Porém, quando se trata das condições de
possibilidade de uma experiência de hospitalidade, surge um paradoxo quanto ao
conceito e a efetividade prática refletida no desafio do “ato do encontro com o
estranho, com o outro e com os conflitos que são conseqüentes”. “A
hospitalidade defronta-nos com o desafio da aceitação do desconhecido, pois
acolher o outro é correr um risco. O estranho pode representar uma ameaça à
segurança de quem o acolhe, assim como o próprio estrangeiro, ao ser recebido,
sofre com a ameaça de ser transformado no mesmo, de não ter preservada a sua
cultura, seus laços de pertencimento, sua identidade e sua diferença”.
Somos
habitados pelo estrangeiro em asilo ou em hospitalidade. Esse reconhecimento do
outro e a experiência de hospitalidade nos leva a refletir sobre as políticas da
diferença. O modo de reconhecimento determina a conduta que teremos em relação
com o outro.
Referências:
PEREZ,
Daniel Omar; A hospitalidade de kant em debate com Derrida e Levinas – Ética 3.
SEAD – UFES: Vitória, 2017.
A
ética da hospitalidade no acolhimento do outro / Sandra Patricia Eder
Comandulli. – 2016. Dissertação (Mestrado) – Universidade de Caxias do Sul,
Programa de Pós-Graduação em Filosofia, 2016. Orientador: Prof. Dr.André