sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Ciência e Psicanálise ou sobre o Sujeito da Ciência

LICENCIATURA EM FILOSOFIA – UFES - EAD POLO ITAPEMIRIM
EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO CIENTÍFICO
ALUNOS: Jefferson Diório do Rozário.
Manoel Carlos Bernardo


Módulo6. Ciência e Psicanálise ou sobre o Sujeito da Ciência



A Psicanálise e o exercício de escuta do sujeito da ciência


Jacques Lacan, estudioso da Psicanálise, procedente de Freud, criou, em um dos seus seminários, o conceito de “Sujeito da Ciência”, no texto intitulado de “A ciência e a Verdade”. O psicanalista francês estabeleceu seus estudos por meio de Seminários, os quais foram, posteriormente, reunidos e publicados. Os estudos de Lacan redimensionam a psicanálise, principalmente por relacioná-la aos estudos da linguagem, sobretudo ao estruturalismo, escola à qual Lacan se vinculava. Entretanto, essa delimitação na certa é tacanha para definir os trabalhos e estudos lacanianos, pois o psicanalista francês discutiu a psicanálise em correlação com diversos discursos outros, incluindo a filosofia e a ciência; além de que suas proposições por vezes extrapolam uma visão puramente estruturalista do sujeito.

Voltando ao conceito de “Sujeito da Ciência”, Lacan o determina como consequência  da propagação do imperativo científico sobre os diversos saberes, considerando-o como um sujeito esvaziado dos saberes anteriores à ciência em sua figuração moderna; sujeito esvaziado inclusive de tradição e de imperativos morais. É a partir do estabelecimento dessa subjetividade que Lacan compreende a ação da psicanálise, por isso, para ele, a psicanálise é possível apenas a partir da ciência – ou, do início de seu estabelecimento, pelo cogito cartesiano.

A partir dessa concepção, Lacan estabelece a ação da psicanálise, a qual, segundo o pensador, é compreendida a partir de alguns categóricos: “a) A psicanálise opera sobre um sujeito que não é o eu, b) Há um sujeito da ciência. C) Esses dois sujeitos são o


mesmo” (MURTA, FILICIO, 2017, p. 2). Daí Lacan opera uma diferença entre o eu e o sujeito, sendo aquele impossível inclusive para a psicanálise, pois o eu se encontra diluído no sujeito, sendo este, por sua vez, o que permite se mostrar no processo analítico.

A determinação do “Sujeito da Ciência” ocorre a partir de Galileu, quando se opera um corte no saber, ou seja, o estabelecimento da ciência moderna impõe uma ruptura com os saberes anteriores. Nesse processo, identifica-se um corte entre os mundos antigo e moderno, este delimitado pela ciência moderna, a qual é definida pela física matematizada – proposição de Galileu (MURTA E FILICIO, 2017, p. 2). A operação  da ciência, a partir dessa nova perspectiva, delimita-se à matematização do objeto, processo pelo qual ela lhe retirará as qualidades sensíveis que possua (MURTA, FILICIO, 2017, p. 2).

O que se pode observar afinal é que a ciência moderna substitui a realidade empiricamente conhecida por modelos ideomatemáticos, dessa forma, há um desvio do real mesmo. Daí que ela não parte da observação, mas, ao contrário, opera o predomínio da razão sobre a experiência em si. Nesse caso se poderia falar inclusive num distanciamento do real do objeto, pois o que a ciência almeja é o enquadramento do objeto num sistema matemático já previamente estabelecido.

Essa determinação perpassa ainda pelo cogito cartesiano, na medida em que o sujeito é visto por Lacan não mais como o determinante da história, mas como resposta a um discurso posto - o do cogito. Para Lacan, O sujeito da ciência é uma necessidade de resposta à dúvida cartesiana, sendo esse novo sujeito que aparece “(...) o resto ineliminável da prova da dúvida radical, da qual Descartes faz a experiência em sua meditação” (MURTA, FILICIO, 2017, p3). Descartes duvida exatamente para chegar à certeza da ciência, em contrapartida, o sujeito da ciência é a certeza objetivada pela dúvida exacerbada de Descartes. Desse modo, Lacan identifica como que antes de Descartes, o sujeito é definido por uma relação com o saber, a partir, entretanto, do cogito cartesiano, introduz-se um saber certo ao qual o sujeito precisa responder. Consequentemente, “Essa operação do cogito comporta uma separação radical do sujeito com o saber” (MURTA, FILICIOS, 2017-10-16, p. 4).


O sujeito da ciência lacaniano corresponde ao esvaziamento da subjetividade, em que o cientista se esvazia para preencher-se do significante matemático, sob o qual seu trabalho será estabelecido. A ciência é a foraclusão do sujeito na medida em que ela o rejeita. Tanto que um dos princípios básicos da ciência é a objetividade, pensada em negação da subjetividade, pela qual o sujeito se autodistancia e se torna um cientista, uma autonegação pela qual se capacita ao exercício da ciência, ou seja, um indivíduo que na verdade nega o sujeito.

Freud diferencia indivíduo e sujeito, identificando este fora da forma organizada, lançando-o alhures. O sujeito nega o indivíduo, impedindo que este diga aquele. A psicanálise nasce do cogito cartesiano exatamente porque a ciência passa à construção do indivíduo, deixando o sujeito à sua própria sorte, uma vez que o sujeito acaba escapando dessa determinação cartesiana, colocando-se fora desse saber. A proposição científica, portanto, esvazia o sujeito na medida em que o propõe por um estabelecimento pleno pela razão. Ao determinar o sujeito pela razão, a ciência, na verdade, distancia-se do sujeito, ao dizê-lo e determiná-lo ela se distancia dele e o perde. O sujeito, de fato, não pode ser o que a razão diz e determina, não está na organização científico-matemática, mas está, de fato, na libido, naquilo que a ciência negou.

Assim, Lacan complementa o sujeito pela falta de significante, na medida em que não pode ser apreendido por este, escapando-lhe continuamente, porque sua posição é secundária à do significante. A tese lacaniana, partindo de Freud, é a de reconhecimento do sujeito como o que falta de identidade (MURTA, FILICIO, 2017, p. 5). Nesse contexto, o discurso analítico surge como proposta de interlocução com o sujeito que foi esvaziado pelo discurso científico. A psicanálise é possível a partir do esvaziamento do sujeito, de certa forma impensável antes da ciência. E se a ciência é o esvaziamento do sujeito, a psicanálise opera exatamente sobre esse sujeito vazio, pois o sujeito pleno não se permite à análise. A diferenciação da psicanálise frente à ciência, entretanto, reside no fato de que a ciência cala esse sujeito esvaziado, enquanto a psicanálise dá-lhe voz. A psicanálise experiencia esse sujeito criado pela ciência e abandonado à própria sorte. Ao esvaziar o sujeito, a ciência busca romper com as amarras da tradição e da cultura - todas próprias do exercício da linguagem - preenchendo-o, calando-o pelo significante matemático. Esse sujeito esvaziado, portanto, o do inconsciente e da psicanálise será ouvido na prática psicanalítica. A psicanálise, na verdade, ouve o sujeito que a ciência criou.

REFERÊNCIAS:

MURTA, Claudia. FILICIO, Mulinari. Ciência e Psicanálise ou o Sujeito da Ciência. Vitória: SEAD - UFES, 20167

domingo, 15 de outubro de 2017

EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO E CIENTÍFICO

A CIÊNCIA MODERNA E A METAFÍSICA: A FILOSOFIA NO DIVÃ

A visão de ciência na antiguidade até a idade média era pautada nos escritos de Aristóteles, em sua física, que fazia uso da observação da natureza para tentar deduzir algumas regras gerais, diante desse caráter contemplativo os físicos daquela época observavam a realidade. Aristóteles, como resultado de sua contemplação da natureza, desenvolveu a visão de que o mundo e o universo eram divididos em duas esferas, uma que era abaixo da lua e outra que era acima da lua, onde tudo que se encontrasse abaixo da lua seria mutável e irregular, enquanto tudo que se encontrasse acima da lua seria imutável, constante e eterno. Essa visão perdurou por muito tempo, porque realmente dava conta de explicar o mundo, e era uma explicação que parecia fazer mais sentido e principalmente diante da idade média, essa visão era favorável quanto à realidade da época. Porém, com as mudanças ocorridas na sociedade com o advento da ascensão da burguesia e da relação de comércio, essa visão já não mais cabia como explicação da realidade, a necessidade passou de uma física que somente observava o mundo a uma física que além da observação também pudesse mudar a realidade para dar conta das relações de comércio e de uma sociedade em transformação. Assim, nesse novo momento, agora chamado de renascimento, inicia-se o rompimento da ciência com a metafísica de Aristóteles, pois a necessidade passa a ser por uma ciência mais experimental, mais operativa e não mais contemplativa como a aristotélica. A nova concepção acerca do ser da natureza e do universo, foi estabelecida no movimento que vai de Galileu a Newton, com a contribuição de Kleper, Tycho Brahe, Descartes e outros.  Porém, é com Galileu que a nova visão de ciência começa a tomar forma, ele entende que as explicações científicas são objetivas, porque o que é certo para a ciência é certo para todo mundo, pois o conhecimento científico não é subjetivo, ele é objetivo, a verdade da ciência não vai mais estar no sujeito, a verdade da ciência vai estar no mundo. Esse novo ideal científico, atribuído a Galileu Galilei e aos teóricos da Revolução Científica Moderna, pretendia centralizar toda a atividade científica a um nível de objetividade nunca visto antes, o que acabou por desdobrar-se no auge das teorias de Isaac Newton. Newton, não só aceita a visão de Galileu como ainda a fortalece, pois para ele as verdades do universo não são mais sagradas, as verdades do universo e as leis da natureza não são mais descobertas por uma revelação divina, já que entende que toda verdade sobre o mundo físico pode ser conhecida racionalmente, ou melhor, matematicamente, sendo ele porta voz de uma física objetiva, matemática e que vê o mundo como uma forma mecânica, ou seja, o todo é a soma das partes. É comum a visão de que a ciência surgiu para exterminar a metafísica, não somente a aristotélica, mas também qualquer tipo de conhecimento metafísico, seja religioso, filosófico ou outro. O filósofo Augusto Comte, previa uma substituição do pensamento metafísico em prol do pensamento científico, pois considerava que o conhecimento científico era superior ao pensamento mitológico (religioso) e metafísico (filosófico). Essa visão, mesmo não sendo a única na filosofia que promove o caráter objetivo da ciência contra o caráter subjetivo da metafísica, muito influenciou para o imaginário popular, além de bastante discutida e criticada no século XX, pela historiografia científica e pela filosofia das ciências. E é essa forma de visão que muitos ainda hoje entendem a ciência, afastando-se do discurso filosófico e sobretudo o metafísico, por entenderem que o mundo funciona como uma máquina. Ao contrário do imaginário comum, a ciência moderna só surgiu quando as bases metafísicas do conhecimento foram reconstruídas. É essencial uma reflexão de ordem ontológica, metafísica ou filosófica que fundamente os alicerces do conhecimento científico para dar prosseguimento às experiências. Muitas pessoas tendem a querer resolver as coisas com uma visão meramente científica, mas esquecem que essas visões científicas, muitas vezes têm fundamentos filosóficos que podem ser questionados, por exemplo, a física de Newton possui uma ontologia, possui um discurso filosófico em sua base, pois não há como comprovar que o mundo funcione como uma máquina, é uma suposição metafísica achar que o mundo funcione como uma máquina e assim como a física de Newton, a história nos mostra que a ciência possui sempre filosofia em seu fundamento. Portanto, a ciência possui bases metafísicas indispensáveis para sua atividade, mas que podem ser alteradas consideravelmente de acordo com o período em que está situada. Ocorreu que após as descobertas científicas, muitos acreditavam que o discurso metafísico e filosófico seria extinto da ciência. Mas seria errôneo imaginar que o pensamento científico acontece sem pressupostos ontológicos ou filosóficos em sua base. A ciência moderna não rejeitou as teses metafísicas, mas sim, uma visão metafísica específica oriunda dos escritos de Aristóteles, que fundamentou a ciência existente no período anterior a concepção moderna. Assim sendo, a modernidade então promoveu uma substituição da ciência fundada na metafísica aristotélica por um conhecimento baseado em uma ontologia mecanicista, determinista e matemática.

Referência

MURTA, Claudia; MULINARI, Filicio. A ciência moderna e a metafísica: a filosofia no divã. – Evolução do Pensamento Filosófico e Científico. SEAD - UFES: Vitória, 2017.