terça-feira, 3 de julho de 2018

História da Filosofia no Brasil

PEQUENOS ESTUDOS DA FILOSOFIA BRASILEIRA

A história que construiu os caminhos da filosofia brasileira é bastante rica de fontes inspiradoras de uma consciência filosófica, tendo recebido propulsão no tempo do Brasil Colônia, cuja base inspirada na cultura portuguesa, revelou-se por meio dos jesuítas que se encarregaram de, em três séculos, manter apenas reflexão de sua cultura em detrimento da necessidade de fomentar investigação, tendo como destaque Padre Anchieta e Padre Manoel da Nóbrega.

Ao contrário de Portugal que era tradicionalista, no Brasil, por ser, talvez um país jovem, mas com dimensões continental, buscou como fonte a consciência religiosa, tendo sua base assentada no cristianismo, sendo que a partir do século XVI acentuam-se mudanças em relação às concepções que norteavam o mundo.

É a partir de meados do século XIX que se inicia uma tênue abertura de consciência junto aos pensadores brasileiros em relação à prática filosófica desenvolvida no ocidente, momento em que a pobre herança filosófica portuguesa dá lugar ao momento conhecido como filosofia das luzes que inicia-se com a independência política, deixando de ser uma colônia portuguesa para se configurar como uma nova nação no cenário internacional.

Com a possibilidade de se “beber em novas fontes”, surge então, o positivismo, cuja base que sustentava um pensamento na racionalidade científica, orientada, então, por Augusto Comte, afastando-se e  substituindo a anterior cultura do sentimentalismo e da religiosidade.

A base do positivismo advinha da ideia do progresso como eixo da história do pensar positivista, sendo que tal movimento, positivismo, começa seu declínio a partir da década de vinte, com o final da primeira guerra mundial.

Na figura de Tobias Barreto surge a crítica em relação ao positivismo e a todas as formas de cientificismo, uma vez que em relação é no iluminismo que se acentua a ideia de progresso dos povos e, consequentemente, o  progresso da história cuja causa é o progresso da ciência.

Barreto, inspirado na crença no império da razão, defendido por Galileu no século XVII, busca no naturalismo difuso produzir semente na atividade intelectual da época, em especial nas instituições de ensino.

A metafísica fora reduzida por todos os lados com sólido apio na crítica da Razão Pura de Kant. As ciências histórica eram interditadas pelo fato de não se submeter aos paradigmas das ciências naturais, embora o pensamento hegeliano era pensar a totalidade e, sobretudo, pensar a contradição e não a racionalidade de Kant, sendo que na psicologia se defrontava com a grave exigência naturalista de tnetar quantificar os estados da consciência.

Ainda no século XIX surge Silvio Romero com a crença no poder da razão científica como instrumento de dominação da natureza, sendo sua crítica direcionada no campo das convicções cientificistas de sua época, buscando alargar os horizontes das possibilidades explicativas da realidade, onde enfrenta a crise das ideias como se fora a própria crise brasileira que se instalou à época, a qual traz como fonte inspiradora o debate no papel de denunciador da trágica circunstância de um pais assolado pela ignorância e por todos os males decorrentes.

Neste mesmo período, surge, então, Farias Brito que com sua obra intitulada “Finalidade do Mundo”, e Antero Quental, com a publicação da obra “Tendências Gerais da Filosofia”, demonstram suas preocupações com os destinos da filosofia e a virtude.

Brito critica assim, o materialismo e o positivismo, e com base no espiritualismo busca entendimento de afirmação da subjetividade, sendo que o autor entendia que o campo do materialismo era deficitário e não favorecia suas teorias, incluindo também o naturalismo e o positivismo que favorecia ao Darwinismo e ao Spencerismo.

A base de estudo de Farias Brito dá-se através da meditação filosófica com o estudo da história da filosofia moderna e contemporânea, onde inicia sua reflexão com uma citação de Sócrates: “Filosofar é aprender a morrer”.

 Contudo, a base utilizada por Farias Brito dá lugar ao ressurgimento do positivismo, que começa a ganhar força no Brasil a partir da década de sessenta do século passado, chegando a atingir um nível de racionalidade que o abstrato seria extinto na sua inconsistência.

O intelectual brasileiro cultiva o medo de enfrentar e discutir doutrinas formuladas em países de civilização avançada. É o que denominamos de medo à identidade. Os intelectuais brasileiros se assumiram como colonizados, frente aos centros europeus que irradiam as “ordens” de contextualizações culturais.

O positivismo prolongou sua influência no Brasil, seguramente em razão da ausência de uma consciência crítica que pudesse trazer à luz a inconsistência das suas teses, sendo que gerações inteiras foram influenciadas pelas teses de Silvio Romero e Oliveira Viana, abrigadas à sombra do positivismo e, sobretudo, de um cientificismo inconsistente.

Um misto de positivismo e naturalismo que representa o cientificismo na nossa literatura foi predominante até o final da primeira guerra mundial e longe estamos de nos libertar do espírito do positivismo.
No estado novo (1937-1945), um dos indicadores da prática filosófica é a instrumentalziação das ideais, não a serviço da explicitação da nossa historicidade, do nosso destinar histórico, mas a serviço do ornamentalismo grupal e individual, como fatores da preponderância do conservacionismo obscurantista, sendo que a sistemática propaganda do governo e a convicção de que compete ao Estado a paternidade dos interesses da sociedade, nos leva à crença de que não haveria largos espaços para essa filosofia no Estado Novo.

Já em Vieira Pinto, surge abertura aos vários campos nos quais se pode manipular a ideia de consciência, sendo que sua obra “Consciência e Realidade Nacional”, tratou a dificuldade insuperável de perceber a noção de consciência que deveria ser o fio condutor do pensamento.

Pensar o Brasil fora do fluxo da universalidade histórica seria pensá-lo abstratamente, o que corresponde ao pensamento ingênuo ou consciência ingênua.

Vieira Pinto enfatiza o mundo enquanto realidade nacional e despreza a consciência enquanto pólo único capaz de vivenciar e evidenciar a ordem natural.

A ideia de consciência em Vieira Pinto resvala numa espécie de angústia reducionista a caminho do solipsismo inconciliável com o concreto, na medida em que privilegia uma parcela do real como o lugar de uma ruptura radical com a ordem da universalidade.

Consciência ingênua é consciência destituída do sentido do ser nacional; é consciência que se perde no complexo de categorias não referidas à realidade nacional.

Para o pensador é possível num amplo leque de significações tomar a ideia de consciência como uma espécie de itinerário que pode nos conduzir à compreensão da realidade nacional.

A consciência crítica estaria, enquanto domínio da totalidade, destinada a obviar todos os conflitos, ainda que prescindisse das mediações no plano da existência concreta.

A fenomenologia é criticada pelo seu “caráter idealista”, responsável pela não admissão da intencionalidade coletiva. Haveria para Vieira Pinto um sujeito coletivo difuso como categoria própria da estratégia de elaboração da ideologia nacional.

Em Miguel Reali, insurge um dos maiores destaques em relação ao diálogo com o espírito do nosso século, onde o escritor se move, num primeiro momento, na atmosfera kantiana e, em momentos sucessivos, na vasta ambiência da atmosfera fenomenológica que tem fermentado a reflexão filosófica no nosso século. Pode-se mesmo afirmar que o mais vigoroso diálogo com o kantismo e com a fenomenologia, do ponto de vista da crítica do conhecimento, tem sido levado a efeito entre nós por Miguel Reale.

Seria impossível compreender o seu pensamento sem levar em conta o fato de que a sua reação contra a cadeia de forças das categorias científico-naturais, na ânsia de reduzir toda a realidade à ordem da explicação, se inscreve nos horizontes das preocupações dos mais vigorosos pensadores do nosso tempo. Fruto do nosso tempo e da nossa historicidade, o pensador brasileiro, ao traçar as linhas da sua reflexão, está percebendo diuturnamente a necessidade do encontro de novas encruzilhadas na tarefa infinita de discernimento e compreensão da própria pessoa humana, enquanto fonte originária de todo saber, de todo valor e de toda cultura.

Não há solução isolada no plano da subjetividade, assim como não existiria a possibilidade de instrumentalização do real a serviço de um comando da ordem normativa da subjetividade, isto é, dos famigerados conceitos a priori. Aí começa a discordância de Miguel Reale em relação a Kant. Se em Kant o objeto será sempre objeto para o eu penso, isto é, para o entendimento, fora de cuja atmosfera ele não existiria, em Miguel Reale a existência do objeto se coloca como pressuposto do próprio ato de experienciar, enquanto exercício do poder nomotético do espírito na configuração do mundo da cultura.

No pensamento de Miguel Reale o ser do homem é o seu dever-ser, o que se colocaria em jogo, desde logo, seria esse dever-ser enquanto alvo de todo processo educacional. Educar é, originariamente, conduzir o indivíduo na trilha da auto-consciência para que ele se descubra como dever-ser, como valor-fonte de toda experiência possível. Se é o homem o lugar privilegiado da teia da cultura e da história, na concepção realeana, a função primeira da educação é conduzi-lo a assumir esse lugar, enquanto auto-reflexão.

A educação do homem é o processo global de disposições que o tornam capaz de harmonizar-se com a sua morada originária que é o mundo da cultura.

A teoria tridimensional do Direito é fruto desta nova ambiência espiritual desencadeada nas últimas décadas do século passado e prolongada no presente século, atingindo o seu momento capital na elaboração de Miguel Reale, teoria esta que se configura em uma convicção de que a hermenêutica do mundo da cultura, em última instância, deve subordinar-se a uma atitude integrativa entre fato, valor e norma.

Mais ainda, assenta-se na dialética de complementaridade imaginada por Reale a partir das “ficções” da microfísica (ondas ou corpúsculos? Não importa! Ambas se complementam mutuamente na ordem do eletromagnetismo) segundo a qual fato, valor e norma se dialetizam e se complementam mutuamente. 


A segunda via de inspiração do pensamento brasileiro, surge com o declínio da base que sustentava os pensadores franceses quando da queda da ditadura estalinista, sendo que tais pensadores começaram a produzir novas linhas de raciocínio, onde os pensadores marxistas, existencialistas, personalistas, neotomistas e fenomenólogos acabam convivendo em uma atmosfera de inquietação.
O limiar desses tempo, faz com que os franceses despertem para o valor da epistemologia e destacando as potencialidades dos pensadores à época temos Koyré, Canguilem, Bachelar, Althusser, Jacques Lacan, Lévi-Strauss e Michel Foucaut, os quais buscaram suas lógicas tentando produzir novas referências, como redefinir o conceito de ciência e como historiá-la, visão estruturalista do homem e da sociedade, respostas às questões de o que é verdade, o que é o poder, de forma a buscar uma nova fundamentação para as ciências humanas.
Influenciando os pensadores do Brasil, o movimento francês teve em Edmund Husserl o precursor em “terras tupiniquins”, o qual buscou desenvolver o pensamento com base na fenomenologia como método.
Nilton Campos é tido como marco histórico em relação à assimilação da fenomenologia, quando apresentou à Faculdade Nacional de Filosofia sua tese subordinada ao tema O MÉTODO FENOMENOLÓGICO NA PSICOLOGIA, encontrando nesse tempo, poucos adeptos.
O novo movimento, ou aqui inspirado como segunda via, teve também como destaque Creusa Capalbo, Gerd Bornheim, Ernildo Stein, João Alberto Leivas Jo, Emanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Maria da Conceição Miranda, Zenilda Lopes de Siqueira, Urbano Zilles e João de Souza Ferraz.
É, pois, na fenomenologia que os pensadores brasileiros encontram novas fontes de motivação para o pensamento, em detrimento dos modismos intelectuais que influenciam a intelectualidade contemporânea.
Já em Ortega Y Gasset, o pensamento no Brasil passa a ter importante influência, sendo considerada a maior expressão a influenciar a cultura brasileira nos últimos 50 anos, e tal fato insurge pelo espírito esteticista que influencia a cultura brasileira e, ainda, a força argumentativa do discurso filosófico orteguiano que busca foco no existencialismo, sendo que suas teses afrontam diretamente o catolicismo, uma vez que sua convicção de que a substância última do mundo é uma perspectiva, a da vida, da qual advem a própria razão.
O conflito com o catolicismo que predominada naqueles idos tempos, vem exatamente desse foco, uma vez que para se chegar à razão cultural, há de se desconstuir a razão filosófica que criou ou ser e é nesse momento que nossos pensadores começam a estabelecer um caminho voltado para uma redefinição de nossa cultura.
O culturalismo brasileiro tem em kanti suas raízes, mas o pensamento de Ortga Y Gasset surge no cenário filosófico como fonte inspiradora para a geração culturalista dos anos quarenta do século passado, cuja base se assenta no existencialismo para elevação da cultura e produção de um ser humano que deve ser colocado no sistema como responsável pelas próprias circunstâncias criadas por elem mesmo.
Assim, com uma base culturalista-existencialista, é criado em 1949, em São Paulo, o Instituto Brasileiro de Filosofia, tendo como principal esteio a filosofia de Ortega, e nessa esteira, surge o desafio de se elevar a filosofia ibero-americana como fonte inspiradora para buscar compreender nossa própria historicidade.
Ortega ainda inspirou importantes pensadores, dos quais, foram fundadores não só do referido Instituo, como também da Revista Brasileira de Filosofia, em 1950, onde destacam-se Roland Corbisier, Helio Jagua, Luis Waschington Vita, Miguel Reali, Renato Cirel Czerna, dentre outros.
Outro fato que merece destaque, é que Ortega também inspirou os pensadores que, no ano de 1955, criaram o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), sendo que dentre alguns de seus fundadores, chegaram a pensar

Em relação a Antônio Paim, o kantismo e neokantismo são os alicerces para se produzir cultura  sem as amarras filosóficas pretéritas, destacando que essa produção só será possível pelo fato da cultura ter como tradução um caminhar sem fronteiras, sem imposições de qualquer fragmento pré estabelecido, ou seja, o desenvolvimento da civilização passa, necessariamente, pela cultura, cultura esta que, se discutida de forma coerente, respeitando os diversos saberes e experiências humanas quando no meio social, elevando a ética, estética, religião e política que caracterizam cada cultura.
Diz ainda que a realidade contemporânea pós industrial impõe um novo desafio para o desenvolvimento filosófico, sendo que em razão da tecnologia, a cultura passa a ter menos relevância social, mas, em destaque, alerta que os novos costumes são meramente consumeristas, cuja produção se inspira em terreno pantanoso, sem uma base  filosófica que lhe de não só forma, mas também “espírito”, e desta forma, sugere que a nova realidade coloca de lado as bases históricas e a própria meditação que as inspirou.
Nesse diapasão, Antônio Pain entende que com o afastamento da consciência ética e moral então há de se trabalhar uma educação que, mesmo sem produzir consciência com uma estrutura mediada pela subjetividade, o desafio será produzir consciências éticas e morais que possam atuar dentro da objetividade.
Essa construção moral social, segundo Pain, deve utilizar como base a razão kantiana, uma vez que, na visão do autor, continua sendo fonte que permite melhor compreensão do que motiva a moral social.
De pior sorte para o raciocínio, uma vez que estimula desafio a ser ultrapassado, Pain insurge com um raciocínio que por ser lógico, nos impõe a construção de novos caminhos filosóficos, de forma a tentar dar mais um passo na evolução humana, uma vez que, se na visão do escritor a cultura é estruturada na fundamentação moral, então o lógico seria que as pessoas cultas fossem mais éticas, mas morais, o que na prática não se observa.
Assim, se a cultura estabelecida por uma ética social, não é capaz de produzir indivíduos éticos, então chega-se a um hiato existencial, uma vez que ultrapassada a fase científica, chega-se à uma essência não palpável pela razão, que é a indefinição do que inspira no homem o bem e o mal, como um pode transcender ao outro em momentos distintos, ora atuando pelo bem, ora pelo mal, em um eterno conflito existencial que é inerente à raça humana desde quando ainda na caminhava na idade natural.
E nesse diapasão, insurge o escritor que é a consciência, que sempre está em conflito nessa polarização, que nos permite, ainda, buscar esperança para que a civilização ainda possui futuro neste planeta.
Desta forma, a linha de raciocínio levantada nos coloca em uma situação constrangedora, uma vez que somos obrigados, ou levados, a sair de nossas zonas de confortos para ultrapassar as bases já estabelecidas pelas filosofias pretéritas, ou seja, estas, devendo ser utilizadas como base moral já planejada, deve ser deixada neste ponto, para que os novos filósofos que surgirão, iniciem a exploração de novas fórmulas, iniciem a busca por elemento ainda não descoberto que permita compor a composição química do ser humano, ou seja, somos chamados à responsabilidade para ultrapassar todas as fronteiras filosóficas existentes para buscar uma razão para a essência humana.
Antônio Pain, portanto, vê na linguagem kantiana a melhor referência para se analisar a moral humana, mas sugere que o retorno à subjetividade passa, necessariamente, pela base histórica construída pelas sociedades que nos antecederam, único meio, naquela ótica, capaz de produzir elevação da ética e da moral humana.
Sampaio Bruno, por sua vez, insurgiu contra toda tradução metafísica, teológica e científica, ao longo do percurso da sofrida meditação, com um extraordinário domínio da história das racionalidades e idealidades constituídas até a emergência do seu pensamento.
Todo o seu esforço foi realizado no sentido de superar os seculares argumentos da metafísica clássica – e da não clássica a partir de Kant, bem como aqueles expendidos por uma teologia incapaz de desvencilhar-se de uma dogmática que lhe pareceu inconsistente, à luz de sua nobre inteligência.
Toda a ideia do Pensamento de Bruno é marcada pela preocupação com a origem, com a raiz, com o princípio. A ideia de Absoluto é, sem dúvida, o que existe de nuclear no pensamento de Sampaio Bruno. O espírito puro, homogeneidade, Deus como princípio. Esse mesmo espírito puro, numa misteriosa queda, numa cisão misteriosa, entra na esfera do heterogêneo, no mundo dos seres diferenciados e passa a sofrer as peripécias mundanas, embora mantendo o seu estado de pureza como esperança invisível de uma futura reintegração.
O Absoluto é a esfera que deveria atrair a humanidade para uma espécie de nova história, a crise que vivenciamos na ordem da heterogeneidade desapareceria numa grande síntese na consumação dos séculos, onde tudo voltaria ao que era no princípio, na reintegração à consciência, à perfeição, a Deus, redimido da queda.
Sampaio Bruno encarnou uma possibilidade de pensar, e pensou o absoluto na inesgotável esperança de redenção naturalística da humanidade, perdida hoje na trama das razões que ela própria construiu.
Em relação ao movimento fenomenológico de Portugal, Alexandre Fradique Morujão faz uma interpretação meditativa dos textos husserlianos, que o leva a uma concepção realista do mundo, enquanto totalidade de horizontes. Tendo também preocupação com a questão da intencionalidade, bem como a respeito de um grave problema humano, a intersubjetividade constitutiva ou intersubjetividade transcendental.
A tarefa infinita do filósofo é descortinar o mundo nos seus infinitos horizontes, para além do objetivismo encobridor da habitação originária do homem. Um mundo aprisionado pelo conceitualismo objetivista não seria digno do homem, enquanto liberdade radical, enquanto abertura ao infinito.
A ultrapassagem do universo categorial da explicação para atingir a esfera privilegiada da compreensão é ato do heroísmo do espírito; mas de espíritos (consciências) comprometidas, radicalmente, com o próprio sentido da historicidade do homem.
Essa ultrapassagem é que vivifica a meditação fenomenológica de Alexandre Morujão, quando volta a sua atenção para os temas da cultura portuguesa.

BLOG idealizado pelos Acadêmicos José Márcio de Araújo Estançane, Lauzinete Ribeiro dos Santos, Manoel Carlos Bernardo, Maria de Jesus Gomes de Vasconcelos Lins, Nelson Morghetti Júnior, Siliandro Rocha de Souza e Valquíria Bahiense Martins.

Referências:
GUIMARÃES, Aquiles Côrtes – “Pequenos Estudos de Filosofia Brasileira”. Disponível na Internet via http://www.ead.ufes.br/course/view.php?id=1118. Arquivo capturado em 02 de jul. de 2018.

Imagem disponível na Internet via https://www.google.com.br/search?rlz=1C1CHBD_pt-PTBR795BR795&biw=1536&bih=715&tbm=isch&sa=1&ei=ocY6W_nYKYa4wASLtof4CA&q=consci%C3%AAncia&oq=consci%C3%AAncia&gs_l=img.3..0i67k1l2j0l2j0i67k1j0l2j0i67k1j0l2.1829284.1830453.0.1830582.11.6.0.4.4.0.155.712.2j4.6.0....0...1c.1.64.img..2.9.585....0.mQbHHulxGGQ#imgdii=S3tusqdGAUeCyM:&imgrc=k7T8hDfZwfOYGM:. Arquivo capturado em 02 de jul. de 2018 .








sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Ciência e Psicanálise ou sobre o Sujeito da Ciência

LICENCIATURA EM FILOSOFIA – UFES - EAD POLO ITAPEMIRIM
EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO CIENTÍFICO
ALUNOS: Jefferson Diório do Rozário.
Manoel Carlos Bernardo


Módulo6. Ciência e Psicanálise ou sobre o Sujeito da Ciência



A Psicanálise e o exercício de escuta do sujeito da ciência


Jacques Lacan, estudioso da Psicanálise, procedente de Freud, criou, em um dos seus seminários, o conceito de “Sujeito da Ciência”, no texto intitulado de “A ciência e a Verdade”. O psicanalista francês estabeleceu seus estudos por meio de Seminários, os quais foram, posteriormente, reunidos e publicados. Os estudos de Lacan redimensionam a psicanálise, principalmente por relacioná-la aos estudos da linguagem, sobretudo ao estruturalismo, escola à qual Lacan se vinculava. Entretanto, essa delimitação na certa é tacanha para definir os trabalhos e estudos lacanianos, pois o psicanalista francês discutiu a psicanálise em correlação com diversos discursos outros, incluindo a filosofia e a ciência; além de que suas proposições por vezes extrapolam uma visão puramente estruturalista do sujeito.

Voltando ao conceito de “Sujeito da Ciência”, Lacan o determina como consequência  da propagação do imperativo científico sobre os diversos saberes, considerando-o como um sujeito esvaziado dos saberes anteriores à ciência em sua figuração moderna; sujeito esvaziado inclusive de tradição e de imperativos morais. É a partir do estabelecimento dessa subjetividade que Lacan compreende a ação da psicanálise, por isso, para ele, a psicanálise é possível apenas a partir da ciência – ou, do início de seu estabelecimento, pelo cogito cartesiano.

A partir dessa concepção, Lacan estabelece a ação da psicanálise, a qual, segundo o pensador, é compreendida a partir de alguns categóricos: “a) A psicanálise opera sobre um sujeito que não é o eu, b) Há um sujeito da ciência. C) Esses dois sujeitos são o


mesmo” (MURTA, FILICIO, 2017, p. 2). Daí Lacan opera uma diferença entre o eu e o sujeito, sendo aquele impossível inclusive para a psicanálise, pois o eu se encontra diluído no sujeito, sendo este, por sua vez, o que permite se mostrar no processo analítico.

A determinação do “Sujeito da Ciência” ocorre a partir de Galileu, quando se opera um corte no saber, ou seja, o estabelecimento da ciência moderna impõe uma ruptura com os saberes anteriores. Nesse processo, identifica-se um corte entre os mundos antigo e moderno, este delimitado pela ciência moderna, a qual é definida pela física matematizada – proposição de Galileu (MURTA E FILICIO, 2017, p. 2). A operação  da ciência, a partir dessa nova perspectiva, delimita-se à matematização do objeto, processo pelo qual ela lhe retirará as qualidades sensíveis que possua (MURTA, FILICIO, 2017, p. 2).

O que se pode observar afinal é que a ciência moderna substitui a realidade empiricamente conhecida por modelos ideomatemáticos, dessa forma, há um desvio do real mesmo. Daí que ela não parte da observação, mas, ao contrário, opera o predomínio da razão sobre a experiência em si. Nesse caso se poderia falar inclusive num distanciamento do real do objeto, pois o que a ciência almeja é o enquadramento do objeto num sistema matemático já previamente estabelecido.

Essa determinação perpassa ainda pelo cogito cartesiano, na medida em que o sujeito é visto por Lacan não mais como o determinante da história, mas como resposta a um discurso posto - o do cogito. Para Lacan, O sujeito da ciência é uma necessidade de resposta à dúvida cartesiana, sendo esse novo sujeito que aparece “(...) o resto ineliminável da prova da dúvida radical, da qual Descartes faz a experiência em sua meditação” (MURTA, FILICIO, 2017, p3). Descartes duvida exatamente para chegar à certeza da ciência, em contrapartida, o sujeito da ciência é a certeza objetivada pela dúvida exacerbada de Descartes. Desse modo, Lacan identifica como que antes de Descartes, o sujeito é definido por uma relação com o saber, a partir, entretanto, do cogito cartesiano, introduz-se um saber certo ao qual o sujeito precisa responder. Consequentemente, “Essa operação do cogito comporta uma separação radical do sujeito com o saber” (MURTA, FILICIOS, 2017-10-16, p. 4).


O sujeito da ciência lacaniano corresponde ao esvaziamento da subjetividade, em que o cientista se esvazia para preencher-se do significante matemático, sob o qual seu trabalho será estabelecido. A ciência é a foraclusão do sujeito na medida em que ela o rejeita. Tanto que um dos princípios básicos da ciência é a objetividade, pensada em negação da subjetividade, pela qual o sujeito se autodistancia e se torna um cientista, uma autonegação pela qual se capacita ao exercício da ciência, ou seja, um indivíduo que na verdade nega o sujeito.

Freud diferencia indivíduo e sujeito, identificando este fora da forma organizada, lançando-o alhures. O sujeito nega o indivíduo, impedindo que este diga aquele. A psicanálise nasce do cogito cartesiano exatamente porque a ciência passa à construção do indivíduo, deixando o sujeito à sua própria sorte, uma vez que o sujeito acaba escapando dessa determinação cartesiana, colocando-se fora desse saber. A proposição científica, portanto, esvazia o sujeito na medida em que o propõe por um estabelecimento pleno pela razão. Ao determinar o sujeito pela razão, a ciência, na verdade, distancia-se do sujeito, ao dizê-lo e determiná-lo ela se distancia dele e o perde. O sujeito, de fato, não pode ser o que a razão diz e determina, não está na organização científico-matemática, mas está, de fato, na libido, naquilo que a ciência negou.

Assim, Lacan complementa o sujeito pela falta de significante, na medida em que não pode ser apreendido por este, escapando-lhe continuamente, porque sua posição é secundária à do significante. A tese lacaniana, partindo de Freud, é a de reconhecimento do sujeito como o que falta de identidade (MURTA, FILICIO, 2017, p. 5). Nesse contexto, o discurso analítico surge como proposta de interlocução com o sujeito que foi esvaziado pelo discurso científico. A psicanálise é possível a partir do esvaziamento do sujeito, de certa forma impensável antes da ciência. E se a ciência é o esvaziamento do sujeito, a psicanálise opera exatamente sobre esse sujeito vazio, pois o sujeito pleno não se permite à análise. A diferenciação da psicanálise frente à ciência, entretanto, reside no fato de que a ciência cala esse sujeito esvaziado, enquanto a psicanálise dá-lhe voz. A psicanálise experiencia esse sujeito criado pela ciência e abandonado à própria sorte. Ao esvaziar o sujeito, a ciência busca romper com as amarras da tradição e da cultura - todas próprias do exercício da linguagem - preenchendo-o, calando-o pelo significante matemático. Esse sujeito esvaziado, portanto, o do inconsciente e da psicanálise será ouvido na prática psicanalítica. A psicanálise, na verdade, ouve o sujeito que a ciência criou.

REFERÊNCIAS:

MURTA, Claudia. FILICIO, Mulinari. Ciência e Psicanálise ou o Sujeito da Ciência. Vitória: SEAD - UFES, 20167

domingo, 15 de outubro de 2017

EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO E CIENTÍFICO

A CIÊNCIA MODERNA E A METAFÍSICA: A FILOSOFIA NO DIVÃ

A visão de ciência na antiguidade até a idade média era pautada nos escritos de Aristóteles, em sua física, que fazia uso da observação da natureza para tentar deduzir algumas regras gerais, diante desse caráter contemplativo os físicos daquela época observavam a realidade. Aristóteles, como resultado de sua contemplação da natureza, desenvolveu a visão de que o mundo e o universo eram divididos em duas esferas, uma que era abaixo da lua e outra que era acima da lua, onde tudo que se encontrasse abaixo da lua seria mutável e irregular, enquanto tudo que se encontrasse acima da lua seria imutável, constante e eterno. Essa visão perdurou por muito tempo, porque realmente dava conta de explicar o mundo, e era uma explicação que parecia fazer mais sentido e principalmente diante da idade média, essa visão era favorável quanto à realidade da época. Porém, com as mudanças ocorridas na sociedade com o advento da ascensão da burguesia e da relação de comércio, essa visão já não mais cabia como explicação da realidade, a necessidade passou de uma física que somente observava o mundo a uma física que além da observação também pudesse mudar a realidade para dar conta das relações de comércio e de uma sociedade em transformação. Assim, nesse novo momento, agora chamado de renascimento, inicia-se o rompimento da ciência com a metafísica de Aristóteles, pois a necessidade passa a ser por uma ciência mais experimental, mais operativa e não mais contemplativa como a aristotélica. A nova concepção acerca do ser da natureza e do universo, foi estabelecida no movimento que vai de Galileu a Newton, com a contribuição de Kleper, Tycho Brahe, Descartes e outros.  Porém, é com Galileu que a nova visão de ciência começa a tomar forma, ele entende que as explicações científicas são objetivas, porque o que é certo para a ciência é certo para todo mundo, pois o conhecimento científico não é subjetivo, ele é objetivo, a verdade da ciência não vai mais estar no sujeito, a verdade da ciência vai estar no mundo. Esse novo ideal científico, atribuído a Galileu Galilei e aos teóricos da Revolução Científica Moderna, pretendia centralizar toda a atividade científica a um nível de objetividade nunca visto antes, o que acabou por desdobrar-se no auge das teorias de Isaac Newton. Newton, não só aceita a visão de Galileu como ainda a fortalece, pois para ele as verdades do universo não são mais sagradas, as verdades do universo e as leis da natureza não são mais descobertas por uma revelação divina, já que entende que toda verdade sobre o mundo físico pode ser conhecida racionalmente, ou melhor, matematicamente, sendo ele porta voz de uma física objetiva, matemática e que vê o mundo como uma forma mecânica, ou seja, o todo é a soma das partes. É comum a visão de que a ciência surgiu para exterminar a metafísica, não somente a aristotélica, mas também qualquer tipo de conhecimento metafísico, seja religioso, filosófico ou outro. O filósofo Augusto Comte, previa uma substituição do pensamento metafísico em prol do pensamento científico, pois considerava que o conhecimento científico era superior ao pensamento mitológico (religioso) e metafísico (filosófico). Essa visão, mesmo não sendo a única na filosofia que promove o caráter objetivo da ciência contra o caráter subjetivo da metafísica, muito influenciou para o imaginário popular, além de bastante discutida e criticada no século XX, pela historiografia científica e pela filosofia das ciências. E é essa forma de visão que muitos ainda hoje entendem a ciência, afastando-se do discurso filosófico e sobretudo o metafísico, por entenderem que o mundo funciona como uma máquina. Ao contrário do imaginário comum, a ciência moderna só surgiu quando as bases metafísicas do conhecimento foram reconstruídas. É essencial uma reflexão de ordem ontológica, metafísica ou filosófica que fundamente os alicerces do conhecimento científico para dar prosseguimento às experiências. Muitas pessoas tendem a querer resolver as coisas com uma visão meramente científica, mas esquecem que essas visões científicas, muitas vezes têm fundamentos filosóficos que podem ser questionados, por exemplo, a física de Newton possui uma ontologia, possui um discurso filosófico em sua base, pois não há como comprovar que o mundo funcione como uma máquina, é uma suposição metafísica achar que o mundo funcione como uma máquina e assim como a física de Newton, a história nos mostra que a ciência possui sempre filosofia em seu fundamento. Portanto, a ciência possui bases metafísicas indispensáveis para sua atividade, mas que podem ser alteradas consideravelmente de acordo com o período em que está situada. Ocorreu que após as descobertas científicas, muitos acreditavam que o discurso metafísico e filosófico seria extinto da ciência. Mas seria errôneo imaginar que o pensamento científico acontece sem pressupostos ontológicos ou filosóficos em sua base. A ciência moderna não rejeitou as teses metafísicas, mas sim, uma visão metafísica específica oriunda dos escritos de Aristóteles, que fundamentou a ciência existente no período anterior a concepção moderna. Assim sendo, a modernidade então promoveu uma substituição da ciência fundada na metafísica aristotélica por um conhecimento baseado em uma ontologia mecanicista, determinista e matemática.

Referência

MURTA, Claudia; MULINARI, Filicio. A ciência moderna e a metafísica: a filosofia no divã. – Evolução do Pensamento Filosófico e Científico. SEAD - UFES: Vitória, 2017.



sábado, 1 de julho de 2017

A hospitalidade de Kant em debate com Derrida e Levinas

A hospitalidade de Kant em debate com Derrida e Levinas

A hospitalidade pode ser compreendida como o direito de ir e vir de alguém, ou seja, uma experiência pautada pelo encontro com o outro (estranho). Ser hospitaleiro significa hospedar; acolher àquele que não é de nosso círculo familiar íntimo. A acolhida do outro, seria a hospitalidade de modo a conduzir cada um a refletir e a realizar determinadas condutas. 
Segundo Kant, a experiência da hospitalidade deve ser fundada na razão pura como dever moral e não como um cálculo de universalização nem de risco. Seria o dever do imperativo categórico enquanto modo de vida ético.
O imperativo categórico de Kant, como princípio ético universal encaminha a humanidade ao progresso. Para o filósofo, o comum é a lei racional, ou seja a lei que nós fazemos do exercício da nossa autonomia. Nas regras do agir considerados deveres éticos, deve-se tratar bem os hóspedes no sentido de alcançar uma vida virtuosa.  O agir implica no significado de hospitalidade, um agir motivado racionalmente.

“Age sempre de tal modo que o teu comportamento possa vir a ser princípio de uma lei universal.” Kant

O estrangeiro de Kant não é absolutamente outro, mas um cidadão do mundo independentemente qual seja sua origem territorial, que deverá ser tratado como pessoa como fim em si mesmo e não apenas como meio. A língua da hospitalidade é a língua da razão prática.

Segundo Derrida, o hospedeiro de Kant instala uma relação com aquele que está na sua casa segundo o direito. A relação entre hóspede e hospedeiro é segundo a lei moral.  A proposta de Derrida para o conceito de hospitalidade sob o prisma da desconstrução, se traduz na abertura política e jurídica, para que se avance numa nova responsabilidade quanto ao tema.
Derrida pensa na ética como uma forma de hospitalidade pura, no acolher as diferenças do outro  e este respeito pela diferença do outro ele define como a condição última da hospitalidade. Para o filósofo a hospitalidade é um dever ético, uma obrigação única sem atenuantes nem condicionantes. Dessa forma, a hospitalidade pura não obriga o hóspede a adaptar-se plenamente a cultura, sendo aberta ao acolhimento do estranho.
Há um confronto entre as ideias de Derrida e os argumentos de Kant que permite medir a dimensão do alcance de ambos no tocante da compreensão das condições de possibilidade de uma experiência de hospitalidade. Utilizando os termos de Derrida podemos dizer que kant pede documentação, a hospitalidade kantiniana tem limites, mas está inserida dentro de uma reflexão mais ampla: por um lado no âmbito da legislação da liberdade interna  e do respeito ao imperativo categórico; por outro lado, no âmbito da legislação da liberdade  externa  e do respeito a lei jurídica. No que diz respeito  a hospitalidade,  o ético e o jurídico  podem se articular de modo consistente, o que sustentaria a exequibilidade e a efetividade do dever de hospitalidade numa experiência prática.
Levinas propôs correr o risco, afirmando que o outro é meu semelhante, propondo uma relação assimétrica e não recíproca. Segundo Levinas, não seria uma culpa moral, mas uma responsabilidade ética. A hospitalidade é antes de tudo um problema ético-teológico e não jurídico, é um dever ético e não normativo.  Para ele a hospitalidade nos constitui no nosso ser e não podemos ser senão hospitaleiros.
Segundo Levinas,  na antiguidade o cerne de todas as atenções estava no ser, mas na idade média substitui-se a questão do ser pelo eu,  e esse termo prevalece até os dias atuais, numa ótica da valorização da diversidade entendida como abertura para o outro. O filósofo adverte  da importância de se pensar o trajeto da filosofia em direção ao outro. Levinas entende que o outro (estrangeiro) constituí-me enquanto ser, assim há uma responsabilidade minha com o estrangeiro. E a ética está centrada no desapego do eu dirigindo o olhar para o outro, pois se outro existe ele me constitui como ser existente.
Levinas pensou ir além com uma hospitalidade radical, falando não apenas de direito e sim de ética. Diante do outro como radicalmente outro, então recuou em seu mandado ético e propôs noções de achegado.
A ética da hospitalidade é um tema que foi examinado por alguns filósofos e ainda hoje incita debates quanto à prática efetiva do mesmo, por ser um tema desafiador quanto ao posicionamento ético do indivíduo e das nações e, provocar tensão quanto à postura perante o outro, aquele que apesar de semelhante causa estranhamento.
   Por definição, “o termo Hospitalidade refere ao ato de acolher, de receber um hóspede em casa. Ser hospitaleiro significa hospedar bem àquele que não é da nossa família, do nosso círculo familiar mais íntimo, mais próximo. [...] Na atualidade, um sentido múltiplo, ou melhor ainda, um leque de sentidos do termo hospitalidade considera aquilo que diz respeito à ação gratuita de acolher indivíduos vindos do estrangeiro ou grupos migratórios e também àquilo que refere ao turismo e à hotelaria. Hospitalidade então pode sugerir dádiva e também gestão em relação com aquele que não é da casa”. Portanto, “é habitual se deparar com a figura do homem gentil e hospitaleiro que prepara a chegada do outro e o recebe. Cortesia, respeito e boas maneiras são palavras que costumam estar associadas à hospitalidade. Nessa experiência de hospitalidade o respeito à diferença, o reconhecimento do outro como diferente, o respeito à diversidade, à alteridade parecem estar na base do sentido do termo em questão”. Porém, quando se trata das condições de possibilidade de uma experiência de hospitalidade, surge um paradoxo quanto ao conceito e a efetividade prática refletida no desafio do “ato do encontro com o estranho, com o outro e com os conflitos que são conseqüentes”. “A hospitalidade defronta-nos com o desafio da aceitação do desconhecido, pois acolher o outro é correr um risco. O estranho pode representar uma ameaça à segurança de quem o acolhe, assim como o próprio estrangeiro, ao ser recebido, sofre com a ameaça de ser transformado no mesmo, de não ter preservada a sua cultura, seus laços de pertencimento, sua identidade e sua diferença”.
Somos habitados pelo estrangeiro em asilo ou em hospitalidade. Esse reconhecimento do outro e a experiência de hospitalidade nos leva a refletir sobre as políticas da diferença. O modo de reconhecimento determina a conduta que teremos em relação com o outro.

Referências:

PEREZ, Daniel Omar; A hospitalidade de kant em debate com Derrida e Levinas – Ética 3. SEAD – UFES: Vitória, 2017.

A ética da hospitalidade no acolhimento do outro / Sandra Patricia Eder Comandulli. – 2016. Dissertação (Mestrado) – Universidade de Caxias do Sul, Programa de Pós-Graduação em Filosofia, 2016. Orientador: Prof. Dr.André